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27 May 2021

Penal & Contra-Ordenações

Direito ao Silêncio e à Não Autoincriminação (em Processo de Contra-Ordenação)

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE) DE 02 DE FEVEREIRO DE 2021

 

Os factos que motivaram esta decisão remontam a uma sanção pecuniária aplicada no âmbito de um processo de contra-ordenação tramitado em Itália, no qual a entidade autuante Commisione Nazionale per le Società e la Borsa (regulador da supervisão do mercado de valores mobiliários) condenou uma pessoa singular numa coima de 50.000,00€, por suposta recusa em responder a determinadas questões que lhe haviam sido colocadas, no respectivo processo.

A infracção em causa estava prevista no artigo 187º do Texto Único das Disposições em Matéria de Intermediação Financeira (de Itália) no qual se previa que: “Fora dos casos previstos no artigo 2638° do Código Civil (italiano), qualquer pessoa que não der cumprimento, dentro do prazo, aos pedidos da Consob ou atrasar o exercício das suas funções é punida com uma coima compreendida entre dez mil euros e duzentos mil euros”.

Esta norma decorrera da transposição da Diretiva 2003/6/CE (relativa ao abuso de informação privilegiada e manipulação de mercado).

No ordenamento jurídico português, o artigo 399º, n.º 1 do CVM, contém uma previsão congénere à da referida norma italiana: “Constitui contraordenação grave o incumprimento de ordens ou mandados legítimos da CMVM transmitidos por escrito aos seus destinatários”.

A sanção aplicada pela Commisione Nazionale per le Società e la Borsa foi apreciada nos Tribunais Italianos até à Corte Costituzionale, apreciando a (in)constitucionalidade do artigo 187º do Texto Único das Disposições em Matéria de Intermediação Financeira italiano, por violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação.

Comparativamente, em Portugal, o silêncio do arguido não pode fundamentar uma presunção de culpa, pois ele presume-se inocente (Cfr. artigo 32º, n.º 2 da CRP) e de forma muito simplificada aquele direito contempla igualmente o direito à não autoincriminação, como corolário e em decurso daquele direito ao silêncio.

O TJUE considera ainda assim que a vigência do direito ao silêncio e à não autoincriminação em processos contraordenacionais, pressupõe que as sanções administrativas possuam uma natureza penal/contra-ordenacional, seguindo 3 critérios: (i) qualificação jurídica da infração no direito interno, (ii) a própria natureza da infração e (iii) o grau de severidade da sanção suscetível de ser aplicada ao visado.

Chamados a analisar esta questão, em matéria contra-ordenacional, habitualmente, os Tribunais nacionais tendem a respeitar o direito à não auto-­incriminação dos arguidos, quando se detecte a respectiva violação pelas entidades administrativas autuantes, havendo ainda quem sustente que aquele direito é ainda merecedor de uma tutela constitucional adicional, no âmbito do princípio da proporcionalidade. Cfr. artigo 18º, n.º 2 da CRP.

Por tudo o exposto o TJUE, veio sufragar que o artigo 14º, n.º 3, da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado), e o artigo 30º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (UE) n.596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6 e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão, lidos à luz dos artigos 47º e 48º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que permitem aos Estados-Membros não punir uma pessoa singular que, no âmbito de uma investigação efetuada a seu respeito pela autoridade competente ao abrigo desta diretiva ou desse regulamento, se recusa a dar a esta respostas suscetíveis de a fazer incorrer em responsabilidade por uma infração passível de sanções administrativas de natureza penal ou em responsabilidade penal.

Este entendimento do TJUE será, salvo melhor opinião, totalmente aplicável a qualquer processo de contra-ordenação em que um arguido possa ser notificado para prestar uma determinada informação pela entidade autuante, podendo assim – legitima, constitucional e jurisprudencialmente (desde logo a nível Europeu) – sustentar validamente o seu direito a não responder, por força do direito à sua não autoincriminação, como corolário essencial do seu direito ao silêncio.

Elencam-se alguns exemplos (entre inúmeros outros) de normas nacionais que em processos de contra-ordenação, ou nas fases prévias aos mesmos, impõem aos potenciais (futuros) arguidos o dever de colaboração:

> Apresentação de documentos (artigo 552º do Código do Trabalho);

> Identificação do condutor (artigo 171º do Código da Estrada);

> Responsabilidade pelo pagamento de coima por identificação de responsável pelo não pagamento de taxa de portagem (artigo 10º do Regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem);

> Incumprimento de ordens ou mandados da CMVM transmitidos por escrito aos seus destinatários (artigo 399º, n.º 1 do CVM).

A obrigação de acatar estas normas é assim – para o TJUE e de modo amplamente sustentado – passível de conflituar com o direito à não autoincriminação, como corolário essencial do direito ao silêncio.

Segundo Confúcio: “O silêncio é um amigo que nunca trai”

 

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