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04 Janeiro 2023

Utilização Das Câmaras Portáteis De Uso Individual Pelos Agentes Policiais

Decreto-Lei n.º 2/2023, de 02 de Janeiro

O presente diploma define as normas de colocação, ativação, sinalização e utilização das câmaras portáteis de uso individual (CPUI), assim como a forma de transmissão, armazenamento e acesso aos dados recolhidos e as características e requisitos técnicos mínimos das mesmas.

Estão em causa as CPUI distribuídas pelas forças de segurança aos seus agentes policiais, destinadas ao registo de imagem e som em contexto de ação policial. 

Para o efeito, é considerada «ação policial» a desenvolvida pelos agentes policiais das forças de segurança, no exercício das funções que legalmente lhes estão cometidas, dentro dos seguintes limites: (i) A captação e gravação de imagens e sons apenas pode ocorrer em caso de intervenção de elemento das forças de segurança, nomeadamente quando esteja em causa a ocorrência de ilícito criminal, situação de perigo, emergência ou alteração da ordem pública, devendo o início da gravação ser precedido de aviso claramente percetível, sempre que a natureza do serviço e as circunstâncias o permitam. (ii) A captação e gravação de imagens é obrigatória quando ocorra o uso da força pública sobre qualquer cidadão ou o recurso a quaisquer meios coercivos, especialmente arma de fogo. (iii) É proibida a gravação permanente ou indiscriminada de factos que não tenham relevância probatória, devendo, em todas as circunstâncias, ser respeitada a dignidade dos cidadãos e preservados os direitos pessoais, designadamente o direito à imagem e à palavra. (Cfr. n.ºs 4 a 6 do art.º 10º da Lei n.º 95/2021, de 29 de Dezembro: Regula a utilização e o acesso a sistemas de videovigilância)

O pedido de autorização para utilização de sistemas de CPUI é apresentado pelo dirigente máximo da força de segurança ao membro do Governo que exerce a direção sobre a força de segurança e deve ser instruído com os seguintes elementos: (i) Características técnicas do equipamento utilizado; (ii) Mecanismos tendentes a assegurar o correto uso dos dados registados; (iii) Comprovativo de aprovação, de capacidade ou de garantia de financiamento da instalação do equipamento utilizado e das respetivas despesas de manutenção; (iv) Avaliação de impacto do tratamento de dados sobre a proteção de dados pessoais (Cfr. als. d), h) a j) do n.º 1 do art.º 6º da Lei n.º 95/2021, de 29 de Dezembro: Regula a utilização e o acesso a sistemas de videovigilância)

A decisão de autorização é precedida de parecer da CNPD, que se pronuncia, no prazo de 60 dias, quanto ao cumprimento das regras relativas à segurança do tratamento de dados.

Utilização de câmaras portáteis de uso individual

O dirigente máximo da força de segurança autoriza a utilização de CPUI definindo, de acordo com a respetiva estrutura orgânica, as regras de alocação das câmaras e a atribuição dos perfis de acesso, visualização e extração dos dados.

A força de segurança mantém uma lista atualizada dos equipamentos utilizados, identificados pelo número de série, bem como do serviço a que se encontram alocados, e dos perfis de acesso atribuídos ao efetivo desse serviço.

Modo de porte

A CPUI é fixa ao uniforme, constando junto à parte frontal e superior do tronco, ou, no caso de tal não garantir a captação de imagens, fixa ao equipamento do agente policial, de forma visível e sem obstáculos que impeçam a abrangência total do seu ângulo de captação.

Princípios gerais de utilização

A utilização das CPUI obedece às regras previstas na Lei n.º 95/2021, de 29 de Dezembro (Regula a utilização e o acesso a sistemas de videovigilância), devendo os agentes policiais respeitar, em todas as circunstâncias, a dignidade das pessoas e os direitos pessoais.

Em caso de recurso a CPUI, para gravação de imagem e som, o agente deve esforçar-se por afetar ao mínimo o direito à imagem e respeitar e preservar a dignidade do cidadão, sendo proibidas, nomeadamente, gravações de revistas pessoais que impliquem a exposição de zonas corporais íntimas.

Gravação

As CPUI são portadas em modo de espera, sendo acionado o modo de gravação apenas quando se verifique, pelo menos, uma das seguintes circunstâncias: (i) A prática de ilícito criminal; (ii) Agressão atual e ilícita dirigida contra o próprio agente policial ou contra terceiros; (iii) Desobediência e resistência a ordens legais e legítimas de agente policial, no exercício de funções policiais; (iv) Situação de perigo ou emergência ou em operação que envolva risco para o agente policial ou para terceiros; (v) Ação para efetuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita da prática de crime punível com pena de prisão; (vi) Operação que vise efetuar a prisão de pessoa evadida ou objeto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de pessoa regularmente presa ou detida; (vii) Situação de alteração da ordem pública.

Entende-se por «modo de espera» o procedimento a observar, no momento imediato anterior à gravação, assim que a CPUI está pronta para gravar, o qual capta os 30 segundos anteriores ao início da gravação, sendo os dados captados eliminados caso esta não seja acionada.

A gravação é acionada, sempre que possível, antes do início da intervenção ou do incidente que a motivou, ou logo que seja possível, em função das circunstâncias.

É obrigatório o recurso a CPUI para gravação das intervenções policiais, quando ocorra: (i) Uso da força pública sobre qualquer cidadão, nomeadamente quando for aplicado o procedimento de restrição física ou algemagem; (ii) O recurso ou uso de quaisquer meios coercivos ou armas policiais, especialmente arma de fogo; (iii) A emissão de ordens a suspeitos relativas à cessação de comportamentos ilegais ou agressivos e à adoção de posições de segurança.

A gravação deve ser ininterrupta até à conclusão do incidente que a motivou.

A gravação nas circunstâncias supra descritas não carece de consentimento das pessoas captadas.

É proibida a gravação permanente ou indiscriminada de factos que não estejam relacionados com o interesse policial probatório, nomeadamente: (i) Durante a atividade policial de rotina; (ii) De conversas informais mantidas com cidadãos ou outros agentes policiais.

Anúncio verbal

O recurso a CPUI para gravação de imagem e som inclui um anúncio verbal, claramente percetível, sempre que a natureza do serviço e as circunstâncias o permitam.

O anúncio verbal deve ser realizado de forma inequívoca e em momento prévio à ativação do modo de gravação da CPUI.

De imediato, com a CPUI já em modo de gravação, o anúncio verbal deve ser repetido e seguido, logo que possível, de referência verbal, que deve incluir, quando possível: (i) A natureza da ocorrência que motivou a gravação; (ii) As testemunhas presentes no local da gravação.

Contudo e a este respeito, o diploma é omisso quanto aos procedimentos em caso de ocorrências que envolvam sujeitos passivos com deficiências visuais e audiovisuais.

Dever de relato e comunicação

O recurso a CPUI para captação de imagem e som é imediatamente comunicado pelo agente policial ao respetivo superior hierárquico e ao centro de comando e controlo a que reporta.

Sempre que haja recurso à gravação pela CPUI, este é obrigatoriamente mencionado no expediente, onde conste o dia, a hora, o local e as circunstâncias da ocorrência que motivou o recurso a CPUI.

Logo que tenha conhecimento do recurso a CPUI para captação de imagem e som e caso deste facto tenha resultado a violação de dados pessoais, o superior hierárquico informa o responsável pelo tratamento de dados, tendo em vista eventual medida a tomar, nomeadamente procedendo à notificação de uma violação de dados pessoais à autoridade de controlo (Cfr. art.º 32 da Lei n.º 59/2019, de 08 de Agosto: Aprova as regras relativas ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais).

Na informação a enviar ao responsável pelo tratamento de dados, o superior hierárquico anota a sua posição e transmite toda a informação disponível sobre a ocorrência.

Sistema de gestão e armazenamento dos dados captados

Os dados captados pelas CPUI são geridos, catalogados e armazenados por um sistema digital de gestão e armazenamento, adiante designado por sistema. 

Os componentes do processamento, armazenamento e de manutenção do sistema são mantidos em local reservado, de acesso restrito, dotado de mecanismo de controlo e registo de acessos.

O sistema valida a comunicação com as CPUI por via do identificador único e inalterável atribuído pelo fabricante, transferindo apenas as gravações das CPUI que forem previamente autorizadas pelo comandante máximo da força, devendo estar munido de funcionalidade que exija a associação da identificação do elemento policial aos dados transferidos.

O acesso e a transferência dos dados captados pelas CPUI são realizados exclusivamente através do sistema.

No processo de transferência dos dados captados pelas CPUI, o sistema deve garantir a sua encriptação imediata, por via do algoritmo de cifra seguro, e ainda a sua segurança, integridade e inviolabilidade, assegurando que o método de verificação da integridade esteja disponível, a título gratuito, em qualquer fase da cadeia de custódia de prova.

No armazenamento dos dados gravados, o sistema deve obedecer aos seguintes requisitos técnicos mínimos: (i) Não permitir que as gravações sejam eliminadas por utilizador que não se encontre devidamente credenciado; (ii) Eliminar as imagens gravadas nas CPUI logo que proceda à sua transferência para o sistema de armazenamento; (iii) Garantir o armazenamento dos dados gravados, pela totalidade das câmaras associadas, por um período mínimo de 30 dias; (iv) Decorridos 30 dias após a respetiva gravação proceder à sua destruição (exceto no âmbito de: processo de natureza criminal; processo de natureza disciplinar contra agente das forças de segurança; apuramento de eventual existência de infração disciplinar, quando for o caso, ou criminal por ou contra o agente policial; inspecção das circunstâncias da intervenção policial, sempre que tal seja fundamentadamente determinado pelo dirigente máximo da força de segurança); (v) Ao esgotar a capacidade de armazenamento, não deve permitir a substituição dos dados já gravados; (vi) Permitir que as gravações armazenadas incluam o número identificador único e inalterável correspondente e a data, hora e local da gravação.

No acesso, visualização e extração dos dados gravados, o sistema deverá obedecer aos seguintes requisitos técnicos: (i) Permitir a definição de perfis de utilizador e respetivas permissões de acesso, designadamente de visualização, extração e de auditoria dos dados, bem como o registo de todas as alterações; (ii) Registar todas as operações exercidas sobre os dados gravados, nomeadamente a sua visualização e extração, bem como as alterações às configurações do sistema; (iii) Permitir a visualização por meio incorporado; (iv) Permitir a pesquisa de gravações armazenadas por número único identificador de processo-crime (NUIPC) ou número de processo policial, data, hora e local da gravação e unidade policial ou número de identificação policial.

Deve ser assegurada a criação de diferentes perfis de acesso que assegure que cada elemento policial tem os acessos estritamente necessários para o desempenho das respetivas funções.

Os perfis a criar devem ser diferenciados de acordo com as funções desempenhadas, prevendo para cada um destes o respetivo âmbito e extensão, diferenciando permissões de visualização, tratamento, extração e conservação.

Segurança e armazenamento das gravações

As gravações são armazenadas no sistema digital de gestão e armazenamento, em ficheiro encriptado que assegure a sua inviolabilidade.

Ao agente policial que executou a gravação não é permitido apagá-la ou alterá-la.

A transmissão das gravações para o sistema é obrigatoriamente efetuada no final do serviço, através da colocação da CPUI em estação adequada para esse fim, sob a supervisão de superior hierárquico ou elemento policial responsável nomeado para o efeito.

O agente policial responsável pela gravação procede, o mais rapidamente possível, à identificação do ficheiro de dados, acrescentando o NUIPC associado, quando aplicável, ou número de registo interno.

As gravações são conservadas no sistema, em servidor exclusivo para o efeito, durante um período de 30 dias.

Excetuam-se as gravações apresentadas como prova em processos judiciais ou procedimentos disciplinares, as quais devem ser eliminadas logo que comunicado pela autoridade judiciária ou entidade decisora do procedimento que cessou a necessidade da sua conservação.

Acesso a gravações

Em geral, é proibido o acesso, cópia ou transmissão de imagens ou som recolhidos.

As gravações de imagens e som recolhidos só podem, unicamente, ser acedidas nas seguintes situações: (i) No âmbito de processo de natureza criminal; (ii) No âmbito de processo de natureza disciplinar contra agente das forças de segurança; (iii) Para apurar a eventual existência de infração disciplinar, quando for o caso, ou criminal por ou contra o agente policial; (iv) Para inspecionar as circunstâncias da intervenção policial, sempre que tal seja fundamentadamente determinado pelo dirigente máximo da força de segurança.

O acesso às gravações apenas é permitido aos agentes policiais devidamente credenciados para o efeito, através do sistema, em estação de trabalho fixa colocada em instalação policial.

Todas as operações de acesso às gravações são registadas no sistema, com indicação da data e hora, justificação e identificação do responsável pela intervenção.

Destruição das gravações

O responsável pelo tratamento de dados verifica o cumprimento do disposto no que concerne à conservação dos dados pessoais, garantindo a eliminação dos ficheiros, ficando a operação registada no sistema, com indicação da data e hora da intervenção.

Responsável pelo tratamento de dados

Incumbe ao responsável pelo tratamento de dados de cada força de segurança o exercício das funções previstas legalmente, com especial incidência no cumprimento do modo de porte e dos princípios gerais de utilização das CPUI, bem como do dever de relato, de acesso e de conservação das gravações.

O responsável pela conservação e tratamento de dados é o chefe da área de operações ao nível das circunscrições distritais e metropolitanas, ou de caráter equivalente adaptado à respetiva organização, de cada uma das forças de segurança.

Requisitos técnicos mínimos

As CPUI utilizadas pelas forças de segurança para gravação de imagem e som devem ter, no mínimo, os seguintes requisitos técnicos: (i) Resistência aos elementos da natureza; (ii) Possuir um sistema robusto de fixação ao uniforme, que impeça a sua perda, remoção ou queda; (iii) Ser policromáticas; (iv) Possuir sinalética adequada que indique o seu fim; (v) Possuir uma lente com um ângulo horizontal de visão no mínimo de 90.º; (vi) Não permitir a eliminação ou alteração de imagens gravadas; (vii) Não permitir a extração das imagens gravadas, exceto através de estação específica, destinada a esse fim; (viii) Possuir indicador da carga da bateria e sinalizador de bateria fraca; (ix) Sistema de sincronização da data e hora com a hora legal portuguesa; (x) Proteção contra interferências provocadas por radiofrequência; (xi) Compressão de vídeo mínima de H264.

O sistema de gravação das CPUI deve ter, no mínimo, os seguintes requisitos técnicos: (i) Iniciar imediatamente a gravação através da pressão de um único botão; (ii) Dispor de um modo de espera; (iii) Assinalar o início e o fim da gravação por sinal sonoro; (iv) Ativar sinal luminoso quando o modo de gravação se encontre ativo; (v) Garantir uma resolução de imagem mínima de Full HD 19200*1080 pixel; (vi) Assegurar a qualidade de gravação necessária que permita que um indivíduo seja reconhecível até uma distância mínima de cinco metros da câmara; (vii) Aviso de sinalização de que a capacidade de armazenagem de dados do dispositivo se está a esgotar; (viii) Interromper a gravação quando a capacidade do dispositivo de gravação da câmara se encontre esgotada, sem substituir ou apagar os dados existentes; (ix) Gravação de som; (x) Registar, sem possibilidade de alteração ou remoção, a data e hora das gravações realizada, bem como do estado da bateria do equipamento; (xi) Sistema de encriptação que garanta a confidencialidade das gravações; (xii) Garantir gravação de imagem com o mínimo de 30 FPS; (xiii) Ter no mínimo 64GB de memória interna.

Sanções

O incumprimento das normas previstas neste diploma é passível de responsabilidade disciplinar, sem prejuízo do regime sancionatório constante da Lei n.º 59/2019 de 08 de Agosto (Aprova as regras relativas ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais), e de eventual responsabilidade criminal.

O presente diploma entra em vigor a 03 de Janeiro de 2023.

Incognitamente, ou não, fica em aberto – para momento ulterior, porventura não muito distante – a discussão sobre se existem garantias suficientes sobre se a CPUI não virá a ser utilizada de forma totalmente remota, indiscriminada, exaustiva e desproporcionada, mormente por elementos futuramente robotizados.

Legalmente, já existem zonas de cidades em videovigilância pública permanente.

Agora, debaixo de pretextos supostamente benignos, parece passar a existir um mecanismo móvel de potencial controlo plural, numa sociedade cada vez mais fiscalizada, por meios sofisticados e de escrutínio cuja incógnita se adensa diariamente.

Importará, quiçá, reanalisar os limites da liberdade e da sua possibilidade de controlo, sob pena de eventual desgoverno deste direito essencial, até porque o diploma escancara a possibilidade de utilização das CPUI para fins não penais, matéria cuja constitucionalidade poderá importar vir a aferir.

Haverá que aferir se o sistema de gestão e armazenamento dos dados captados e a segurança e armazenamento das gravações não redundarão num “corpo” mais ou menos opaco e encriptado, potencialmente reforçado pelo virtual inescrutínio do “segredo de justiça” de inúmeros procedimentos penais.

Ficará ainda para subsequente análise a situação em que a gravação de imagens decorrentes da CPUI capte actividade potencialmente ilícita apenas indirectamente obtida pela focagem da objectiva de retenção de imagem, i.e. sem que o autor daquele potencial ilícito estivesse a ser inicialmente alvo daquela operação.

 

 

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